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11 de julho de 2009

O Eterno Clássico do Futebol Mundial

Brasil e Itália são as duas seleções com mais títulos conquistados na história dos Mundiais de futebol (5 para o Brasil, 4 para Itália). Aliás, juntas têm mais títulos do que todas as outras seleções.

Jogos decisivos
Já jogaram entre si 13 vezes, com 6 vitórias para a “canarinha”, 5 para a squadra azzurra e 2 empates. Apesar de sempre terem possuído, ao longo da sua história, jogadores de grande técnica e carisma, sempre tiveram também estilos de jogo completamente diferentes uma da outra. O Brasil um futebol mais ofensivo e livre de amarras tácticas, a Itália um futebol mais cínico e de contenção. Já por duas vezes discutiram a final de um Campeonato do Mundo: em 1970, no México, com uma das melhores (para muitos, “a melhor”) seleção brasileira de sempre (Pelé, Jairzinho, Tostão, Gerson, Rivelino, Clodoaldo) a derrotar a Itália por 4-1 – no final do jogo, o defesa italiano Tarcisio Burgnich diria a seguinte frase sobre “o rei”: “Eu disse para mim mesmo antes do jogo: ele é feito de pele e ossos como qualquer um – mas estava errado.”; e em 1994, nos EUA, com Roberto Baggio a falhar o famoso pênalti que deu ao Brasil a vitória numa das mais desinteressantes finais de sempre de um Mundial.

Há, no entanto, um jogo entre o Brasil e a Itália que ultrapassam todos os outros em termos de simbolismo: o jogo que disputaram no Mundial de Espanha em 1982. Um jogo que teve até direito a uma magnífica peça de teatro, escrita pelo italiano David Enia, e que chegou a ser encenada em Portugal em 2004 pelos Artistas Unidos. Se eu tivesse de escolher uma só partida para descrever as características de cada uma dessas seleções seria precisamente esse mítico Itália-Brasil 3-2 que, para os brasileiros, ficou conhecido como “a tragédia de Sarriá”. Sarriá era, na altura, o estádio do Espanyol, mas foi demolido em 1997, por dívidas do clube, que teve de vendê-lo a uma empresa de construção (ainda bem que demoliram).

O Mundial de 1982
O Brasil, treinado por Telê Santana, chegou a esse mundial na condição de super-favorito. Tinha aquela que, ainda hoje, é considerada a melhor seleção “canarinha” pós-Pelé, com um grupo de artistas que fazia as delícias de qualquer fã do futebol-espetáculo, composto por Zico, Sócrates, Falcão Cerezo e Éder, todos eles no auge da sua forma. Durante a primeira fase do torneio derrotaram a União Soviética por 2-1, a Escócia por 4-1 e a Nova Zelândia por 4-0. Mais do que derrotarem os adversários, os brasileiros encantavam e faziam jus à sua condição de favoritos, com jogadas de antologia e golos para todos os gostos. Podiam até dar-se ao luxo de ter um goleiro vulgar (Waldir Perez) e um ponta-de-lança também mediano (Serginho, que anos mais tarde jogaria no Marítimo), que a técnica de Zico e Sócrates, os balázios de Éder e o pulmão de Falcão que, como escreveu David Enia na sua peça, era um jogador que parecia estar em todo o lado sem nunca dar sinais de cansaço ou esforço, resolvia tudo.

Muito diferente foi à qualificação da Itália para a segunda fase da prova. Empate a zero com a Polônia e a um gol com Peru e Camarões, a Itália qualificou-se para a segunda fase apenas por ter marcado mais um gol do que os Camarões. Para a própria imprensa do país, a trajetória da seleção constituía uma vergonha e as expectativas para a segunda fase eram baixíssimas. Mesmo que tivesse jogadores como Dino Zoff, António Cabrini, Cláudio Gentille, Marco Tardelli, Bruno Conti e Paolo Rossi.

A “tragédia de Sarriá”

Nesse mundial não houve oitavos nem quartas-de-final, mas sim uma segunda fase de grupos, cada um com três seleções e em que apenas a primeira classificada seguia para as meias-finais. O grupo da morte seria precisamente composto por Brasil, Itália e Argentina. Depois de a Itália vencer a seleção de Maradona por 2-1, foi o Brasil a derrotar os seus grandes rivais sul-americanos por 3-1. Ou seja: para o Brasil, bastava um empate no jogo com a Itália para se qualificar. Mas quem conhece a História (principalmente a história da perda do Mundial de 1950) sabe que não há nada pior para uma seleção brasileira (principalmente, quando se trata de uma seleção que não sabe jogar à defesa) do que só precisar de um empate. Foi nesse jogo que, para os italianos, nasceu a lenda de Paolo Rossi como seu “bambino d’oro”. Rossi tinha sido selecionado para esse Mundial de forma absolutamente inesperada. Tinha estado quase dois anos impedido de jogar, após um escândalo conhecido como Totonero, quase tão grande como o calciocaos. Numa altura em que já jogava na Juventus, Rossi tinha sido acusado de estar envolvido num resultado combinado entre o Perugia (o seu antigo clube) e o Avellino da época anterior. Rossi declarou-se sempre inocente dessa acusação, preferindo até cumprir a totalidade do castigo do que admitir uma suposta culpa e ver assim reduzida a sua pena. Para a maioria dos “tiffosi”, a titularidade de Rossi tratava-se apenas de um capricho do selecionador Enzo Bearzot. E os primeiros jogos nesse Mundial pareciam dar razão aos adeptos. Rossi mal se via em campo, tão discretas foram as suas primeiras prestações nesse Mundial. Parecia um jogador a menos, um homem invisível. Mas, tal como David Enia escreve na sua peça, “como é que se marca um jogador que parece invisível?”. E foi isso mesmo que os defesas brasileiros terão pensado quando viram Paolo Rossi corresponder com um cabeçada perfeita ao cruzamento de Antonio Cabrini, aos 5 minutos, para abrir o marcador. Nada de alarmante, terão pensado os brasileiros, que já haviam dado a reviravolta ao resultado nos jogos contra a União Soviética e a Escócia. E assim, parecia ser quando, aos 12 minutos, após uma abertura de Zico, o capitão Sócrates coloca a bola no único espaço existente entre o corpo de Zoff e o poste esquerdo da baliza e empata. Só que aos 25 minutos, após um mau passe de Cerezo interceptado por Paolo Rossi (“como é que se marca um jogador que parece invisível? E que ninguém conhecia), a Itália volta a adiantar-se no marcador. A tarde de 5 de Julho já era quente, mas as emoções em campo ferviam ainda mais. Na segunda parte, com o Brasil sempre a atacar, a Itália a defender-se não com um autocarro mas com um muro e o defesa Gentille a marcar Zico com tanto empenho que até lhe rasga a camisa, o time brasileiro chega ao empate, aos 68 minutos, com um arremate de fora da área de Falcão. A manifestação de alegria deste grande jogador (considerado o segundo melhor do Mundial pela FIFA, apenas atrás de Paolo Rossi, outro erro) ao comemorar o grande gol que marcou é um dos momentos mais vibrantes desse Mundial. Agora, sim, a ordem natural das coisas parecia estar a impor-se. Mas 6 minutos mais tarde, após um lance confuso na área brasileira, a bola sobra para novamente para Paolo Rossi (“como é que se marca um jogador que parece invisível?”) que faz o 3-2 e tira dos brasileiros aquilo que lhes parecia estar destinado.

O significado da vitória

No final do jogo, Sócrates disse o que muita gente pensou sobre o significado da vitória do pragmatismo italiano sobre a magia brasileira: “Foi mau para nós, mas pior para o futebol”. Tal como a seleção húngara de Puskas em 54 e a “laranja mecânica” de Cruyff em 74, o Brasil de 1982 ficou na história por não ter ganhado. Só que, às vezes, a grandeza de um vencido é tão marcante que nem a derrota o impede de ficar na memória de todos. Lembro-me de há uns anos Bebeto e Dunga criticarem o fato de se falar tanto na seleção brasileira de 1982 em detrimento da “sua seleção” campeã em 94. Pelos vistos, ainda ninguém tinha lhes explicado que a memória dos adeptos não é feita só de resultados, mas também de sensações. E nenhum adepto que tenha visto a seleção brasileira de 82 lhe conseguiu ficar indiferente. O mesmo já não se pode dizer da seleção de 94.

Para os italianos esse encontro foi muito mais do que um jogo de futebol, foi um evento histórico. Foi o dia em que derrotaram uma seleção que a própria imprensa italiana designava de “extraterrestres”. Claro que ainda havia o jogo das meias-finais (em que a Itália derrotaria a Polônia por 2-0) e depois o da final (vitória sobre a RFA por 3-1), mas a prova de fogo, a verdadeira quimera já tinha sido ultrapassada. Em 2002, Paolo Rossi lançou uma autobiografia intitulada “Fiz o Brasil chorar”. E em 1982, no dia seguinte ao jogo com o Brasil, a Gazetta dello Sport, fez manchete com uma frase que explicava de forma perfeita o significado que teve para a Itália derrotar essa seleção de “extraterrestres”: “O BRASIL SOMOS NÓS!”

Uma reportagem para ser lembrada, por isso a corrigi para nosso português e ai está. Mas esqueceram que fizemos mais 2 jogos e vencemos ambos, inclusive na Copa das Confederaçõs de 2009.

Uma Seleção inesquecivel que pecou por saber jogar demais. PARABÉNS, Falcão, ZICO, Eder, Junior e companhia. Avante Brasil.

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